De olho nos seus olhos

Em um mundo cada vez mais interligado por conta da internet, acompanhar os avanços tecnológicos requer sensibilidade para entender os perigos de tanta conectividade

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Você já deve ter ouvido que é alguém único, e, de fato, é. Dentre suas singularidades, duas delas, mesmo que você tenha um gêmeo idêntico, serão diferentes: suas digitais e sua íris. E é justamente por isso que elas são usadas para identificar você no seu celular, no seu banco e nos seus documentos. Dentre todos os dados pessoais que devemos preservar, devemos dar atenção aos dois citados acima, pois eles provam que somos seres humanos inigualáveis.

Afinal de contas, os dados pessoais têm um valor imensurável e as empresas que os detêm acabam tendo um valor alto no mercado financeiro. O advogado e especialista em direito digital João Pedro Gazolla destaca que com os dados pessoais é possível criar padrões e perfis de cada indivíduo, com informações que não se restringem ao nome e ao número do CPF, e faz um alerta: “esses dados pessoais e perfis de preferências, quando explorados sem a devida segurança da informação, acabam sendo alvo de criminosos que exploram a grande quantidade de informações sobre pessoas específicas para a prática de golpes, como os que vemos todos os dias. Quanto mais informações um atacante tiver sobre uma pessoa, mais crível esse golpe vai ser, facilitando os ataques, aumentando as chances de sucesso e, consequentemente, os ‘ganhos’ dos criminosos”.

Você tem preço?

De olho nos seus olhos

No cotidiano, nós fornecemos nossos dados constantemente, seja para abrir uma conta no banco, seja para obter um documento, para adquirir um produto em uma loja ou para criar um perfil on-line. Há alguns meses, no Brasil, uma empresa passou a coletar a íris de milhares de pessoas: a Tools for Humanity (TFH). Fundada em 2019, a empresa norte-americana está presente em diversos países e alega que o projeto de biometria ocular tem o objetivo de facilitar a diferenciação entre humanos e máquinas no futuro por meio da World ID, uma espécie de identificação virtual. Para incentivar os brasileiros a fornecerem esse dado único, a empresa passou a oferecer uma compensação financeira em criptoativos oriundos da própria empresa – que, convertidos, podem chegar a valores em torno de R$ 500.

Em linhas gerais, bastava baixar o aplicativo da empresa, criar um perfil, ir até o local e escanear a íris em uma câmera de última geração. A imagem coletada resulta em um código numérico e, então, a moeda virtual é depositada na conta. Em novembro de 2024, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por fiscalizar a eficiência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, número 13.709, de 2018) no Brasil, instaurou um processo de fiscalização sobre os dados biométricos coletados pela empresa. E, em janeiro de 2025, após a análise, a ANPD aplicou uma medida preventiva à TFH para suspender qualquer tipo de compensação financeira pela coleta da íris no País.

“Na nota técnica, a ANPD entende que o oferecimento de uma recompensa pecuniária pela ‘entrega’ dos dados pessoais sensíveis (que são os world coins, que podem ser negociados e convertidos em reais) pode acabar por invalidar o consentimento do usuário, que é a base legal utilizada pela empresa para o tratamento dos dados pessoais. É importante destacar o ‘pode’, pois essa nota técnica foi emitida em sede de estudo preliminar, ou seja, não é definitivo e pode ser mudado no decorrer do processo instaurado pela ANPD”, explica Gazolla. Tanto é que a empresa decidiu recorrer da decisão do governo. Até o fechamento desta edição, a suspensão dos pagamentos estava mantida.

A discussão não acabou

Diante desse cenário, é fundamental recorrer a uma característica inata ao ser humano: refletir. Gazolla lembra que expor um dado tão sensível e individual como a íris implica em vários riscos, como a falsificação de identidade. “E, pensando em futuro, os impactos são ainda maiores, considerando que a utilização da íris é uma tendência de mercado pela enorme individualidade desse dado sensível, podendo ter utilizações ainda mais corriqueiras e relevantes em um futuro próximo. Os impactos reais ainda não podem ser dimensionados, o que é a causa para uma preocupação e um cuidado ainda maiores”, acrescenta.

Desde 2018, a LGPD regula o tratamento de dados pessoais no Brasil, definindo como as empresas devem agir para proteger toda e qualquer informação que se refira a um indivíduo. O objetivo é proteger a privacidade e, em 2022, o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, passou a ser uma garantia prevista na Constituição Federal (EC 115/2022). Todavia os dados pessoais são seus e, consequentemente, também é seu
dever protegê-los.

“É importante ter em mente que a proteção de nossa privacidade e, consequentemente, de nossos dados pessoais começa com nossas próprias atitudes. Sabemos que é praticamente impossível ler aqueles extensos ‘termos de uso’ e ‘políticas de privacidade’, mas é importante ao menos refletir se aquelas informações que estão sendo solicitadas são realmente relevantes e necessárias para atingir a finalidade que está sendo proposta. Pense e repense e, na dúvida, questione”, alerta Gazolla.

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