Mesmo que você não seja um apostador on-line, os prejuízos causados pela frouxa regulamentação o prejudicam
Nas últimas semanas aumentou consideravelmente o número de pesquisas e notícias sobre as “bets”, plataformas de apostas esportivas e cassinos on-line. Entre os temas mais abordados estavam: uso de influenciadores digitais e artistas para a divulgação dos jogos de azar, impactos negativos no comércio, aumento de casos de dependência e a elevação da taxa de inadimplência relacionada ao gasto irresponsável de dinheiro.
Mas, apesar de estarem sendo questionadas apenas agora, essas empresas de apostas atuam no Brasil há anos. A atuação delas no País foi autorizada pela Lei Federal 13.756, aprovada em 2018. O governo teria até 2020 para regularizar essa atuação, mas não o fez. O limbo entre poder atuar e não estar regularizado levou à explosão do número dessas casas de apostas e os problemas em consequência delas. Até 2017, o Brasil possuía pouquíssimos apostadores on-line. Em 2018, entrou no top 15 mundial. Em 2020 assumiu a liderança e hoje faz o dobro das apostas feitas no Reino Unido, que ocupa o segundo lugar no ranking.
Em dezembro de 2023, o governo federal finalmente regulamentou a prática por meio da Lei 14.790/2023, popularmente conhecida como “Lei das Bets”, que entrou em vigor em janeiro deste ano.
A legalização e a regulamentação tiveram como principal justificativa o aumento da arrecadação de impostos e o recebimento de R$ 30 milhões de outorga para que as empresas operem até três marcas por cinco anos.
Mas o impacto da medida surpreendeu e tem sido assustador. Tornaram-se comuns relatos na imprensa de pessoas que perderam tudo – e até a vida – por causa das bets. Também foram revelados casos de lavagem de dinheiro, de evasão fiscal e de outros crimes praticados por meio desses sites – até facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) estariam envolvidas neles.
Tudo isso gerou uma pressão popular que fez políticos que aprovaram o projeto voltarem atrás, o Superior Tribunal Federal (STF) abrir uma consulta pública sobre a Lei das Bets e até o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que havia dito que a regulamentação já era a ideal, anunciou que novos debates ocorrerão.
A primeira ação do ministério foi suspender no começo deste mês entre 500 e 600 sites que estavam operando ilegalmente. Ao todo, o Brasil deve manter outros 205 sites no ar, todos eles pertencentes a 93 empresas, além de 18 sites que operarão apenas em nível estadual. Mas será que o País será capaz de conter os danos causados por esta iniciativa?
Os impostos pagam tudo?
A pressa do governo em mostrar interesse em relação ao assunto surgiu depois que o Banco Central (BC) afirmou que, apenas em agosto, cinco milhões de beneficiários do programa social Bolsa Família enviaram “R$ 3 bilhões às empresas de aposta utilizando a plataforma PIX”. Levando em conta que há outras formas de pagamento, como cartão de crédito, sabe-se que o valor é muito maior.
O BC também divulgou que 2,5 milhões de pessoas gastaram até R$ 100, enquanto outros 2,5 milhões apostaram cerca de R$ 1,1 mil. Como esse valor é muito acima do fornecido pelo Bolsa Família, há suspeita de fraude e de lavagem de dinheiro no programa social, dois grandes problemas que o País já possui e agora são impulsionados pelas bets.
Outro aspecto que merece atenção dos brasileiros é a aparente contradição nas ações do governo. Embora demonstre preocupação pública com o endividamento e a vulnerabilidade das camadas mais pobres da população, as votações na Câmara dos Deputados sugerem o contrário. Segundo a CNN Brasil, na análise de um projeto de lei sobre a regulamentação das apostas on-line, no dia 13 de setembro, o governo orientou seus aliados a votarem contra uma emenda que proibia a participação de beneficiários do Bolsa Família e de inscritos no Cadastro Único em plataformas de apostas. A emenda foi rejeitada por 342 votos a 82. Somente os partidos PSOL e Solidariedade (este último propositor da emenda) votaram a favor dela.
Agora que o tema ganhou repercussão, o Executivo e parlamentares têm se mostrado temerosos com as consequências de suas decisões. Afinal, será que a arrecadação de impostos projetada pelo governo será suficiente para bancar os prejuízos com a saúde mental dos dependentes, a redução do poder de compra dos mais vulneráveis, o aumento da inadimplência e o impacto negativo a outros setores?
Prejuízo à vista
Segundo um estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o comprometimento da renda familiar com as apostas pode reduzir a atividade varejista em até 11,2%, diminuindo em R$ 117 bilhões o faturamento do setor. “Se o governo aumenta a arrecadação de impostos por meio das apostas e tem uma diminuição na outra ponta, porque outros setores vão faturar menos e pagar menos tributos, concluímos que a vantagem apontada não é tão favorável quanto se pensava”, explica o economista Marcelo Guedes.
Somado a isso, podemos apontar outros prejuízos propiciados pelo vício. “Essa compulsividade, essa ganância de ganhar, acaba se tornando um problema social.” Além da saúde mental, a dependência torna instáveis as relações de trabalho e a capacidade de produzir de um indivíduo, o que (mais uma vez) resulta em prejuízos para a economia. “É preciso orientar a população sobre os riscos de forma antecipada, porque depois que o apostador passa a perder começa a tomar medidas extremas para tentar ganhar, até com a contratação de empréstimos”, diz Guedes. A inadimplência também afeta os resultados do País, uma vez que os prejuízos são repassados aos demais consumidores.
“A partir do momento que você tem a regulamentação das plataformas de apostas podemos até mesmo ter saída de recursos do país, já que grande parte das empresas é internacional”, diz Guedes. Na prática, em vez de mais dinheiro para investimentos no País, o governo tem tido e seguirá tendo mais gastos para conter os danos causados pelas apostas. E, ao que tudo indica, se nenhuma medida for tomada, esse é apenas o início, como alerta Guedes: “esse movimento pode ser, inclusive, a porta para discussões sobre casas de apostas físicas”.
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